Depois de seis anos em trâmite, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) anunciou sua decisão a respeito dos novos rótulos de alimentos e bebidas. O novo modelo será em formato de lupa (conforme imagem ao lado) e deverá ficar estampado na parte frontal das embalagens.
Mas para as organizações ligadas à defesa do consumidor e saúde, como a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que participaram das discussões durante todo esse tempo, o modelo é inadequado e ineficiente em termos de clareza nas informações.
“O processo regulatório conduzido pela Anvisa, até setembro de 2020, pareceu transparente, com participação social e baseado em evidências científicas. Entretanto, a finalização do processo se deu de forma conturbada, com o compromisso da Anvisa de encerramento em dezembro de 2019, depois em abril de 2020 e, finalmente, até setembro de 2020, o que não foi cumprido, sem nenhuma justificativa. Outro ponto preocupante foi a marcação da reunião da diretoria colegiada para 7 de outubro, com o tema da rotulagem nutricional na pauta sob ameaça de não haver reunião pela falta de quórum, já que três dos diretores tinham finalizado os seus mandatos e nenhuma indicação tinha sido realizada para os cargos vagos”, resume Teresa Liporace, diretora executiva do Idec.
O LabDSI da UFPR (Laboratório de Design de Sistemas de Informação da Universidade Federal do Paraná), que auxiliou no desenvolvimento do modelo ideal, definido na consulta pública de 2019, que seria o de triângulos (conforme imagem ao lado), emitiu no dia 6 de outubro um parecer que já avaliava incongruências entre o modelo aprovado pela agência e o apresentado pelo Idec. “Apesar de a Anvisa manter o símbolo da lupa da proposta inicial, o atual desenho diferencia-se em seu design da informação, comprometendo a legibilidade, clareza e simplicidade gráficas. A legibilidade do novo modelo proposto ainda fica comprometida com o uso de tipografia em corpo muito reduzido e diminuição do espaço ocupado pelo rótulo, na face frontal das embalagens”, diz o documento.
“Com esse novo cenário, tivemos ainda um revés no próprio modelo de lupa sugerido pela Anvisa em 2019. Vamos continuar realizando estudos e questionando os argumentos científicos utilizados pela agência para aprovar essa proposta”, reforça Liporace.
Outra regra que está menos rigorosa é em relação ao perfil de nutrientes selecionados. “Sem justificativa, a agência aprovou um perfil que deixará muitos alimentos e bebidas, que deveriam ser rotulados por conta da sua composição nutricional inadequada, sem rótulo frontal. Dessa forma, os biscoitos recheados de chocolate Negresco, Oreo e Passatempo, por exemplo, não apresentarão o rótulo ‘alto em gordura saturada’, mas somente o alerta ‘alto em açúcar adicionado’, por conta da exclusão do limite mais rigoroso do perfil de nutrientes”, esclarece Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
A nutricionista critica inclusive a decisão da Anvisa de deixar de fora da rotulagem nutricional frontal os alertas para os adoçantes. “Esse é um ponto bastante preocupante, uma vez que sua informação na lista de ingredientes não é clara para o consumidor, e pelas diversas evidências científicas demonstrando riscos à saúde relacionados ao consumo de adoçantes, especialmente no caso dos produtos destinados ao público infantil”, completa Bortoletto.
O Instituto questiona também o prazo para a norma começar a valer. Na reunião realizada ontem (dia 7) ficou acordado que as empresas de alimentos e bebidas embaladas serão obrigadas a alterar os seus rótulos somente daqui a dois anos. Passado esse prazo, no caso de produtos específicos como refrigerantes com embalagem retornável, a norma ainda concede 36 meses para a adequação dos rótulos, totalizando cinco anos. O Idec considera preocupante o prazo estendido para esse tipo de produto, que tem altos teores de açúcar e, em algumas versões, de sódio, além de ser prejudicial à saúde.
“A rotulagem nutricional é um tema de saúde pública, que a cada dia de atraso prejudica a saúde da população e fere o direito à informação dos consumidores brasileiros. Além disso, o prazo estabelecido não é coerente com outros processos regulatórios e nem plausível, ainda mais se considerarmos que as indústrias de alimentos e bebidas participaram desde o início da discussão”, ressalta a diretora do Idec.
Avanços nas informações na tabela nutricional
Apesar desses pontos críticos trazidos pelo Idec, após a aprovação da norma, a Anvisa também estabeleceu grandes avanços em relação à tabela de informação nutricional. Isso por que o Brasil é o único país da América Latina que atrelou a norma de rotulagem frontal à norma de rotulagem nutricional, garantindo uma coerência de informações ao consumidor.
“A padronização dos aspectos de design da tabela, como o tamanho, tipo e cor da fonte e o box branco para contrastar as demais cores das embalagens, são essenciais para que a informação seja facilmente visualizada. Além disso, a inclusão dos açúcares totais e adicionados, e a apresentação da informação nutricional por 100g ou 100ml também representam um passo importante no direito à informação clara e adequada. Porém, a Anvisa manteve a apresentação da informação nutricional por porção e por %VD do produto que, além de não serem reais, variando de consumidor para consumidor, são referências que podem gerar confusão na hora da tomada de decisão, ou até induzir o consumidor ao erro”, explica Bortoletto.
Fonte: Super Varejo